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sexta-feira, 13 de junho de 2008

O Narigudo de Interlagos

Muito interessante a coluna Warm Up do Flavio Gomes essa semana, sobre uma "visita" de Robert Kubica na Fórmula Renault do Brasil. Quem tem estrela já demonstra cedo cedo....só ler pra entender.

O narigudo de Interlagos
Flavio Gomes
13/06/2008 - 17:39


Estávamos no final de 2002 e Interlagos receberia a última etapa do Campeonato Brasileiro de Fórmula Renault, categoria trazida ao país por Pedro Paulo Diniz para funcionar como escola, depois do fim da Fórmula Chevrolet — que deixara bons frutos após anos de labuta pelas pistas brasileiras, como Felipe Massa e Cristiano da Matta, para citar apenas dois.

Foi uma ótima temporada, aquela de estréia. Grids cheios, pilotos promissores, transmissão ao vivo por TV aberta, bom público nas arquibancadas (200 mil pessoas em dez corridas) e envolvimento oficial da Renault, algo essencial para a coisa funcionar direito. Os carros eram modernos e bem construídos, iguais aos que corriam em outros continentes nos campeonatos promovidos pela montadora francesa.

Lutavam pelo título três pilotos: Sérgio Jimenez, Lucas di Grassi e Allam Khodair. Para dar um caráter internacional à prova de encerramento, os organizadores chamaram um cara de fora, que disputava o Europeu e o Italiano da mesma categoria. Seu nome: Robert Kubica.

Eu comentava as corridas para a TV Bandeirantes e, como em todas as outras etapas, me enfiava no autódromo na quinta-feira para ver todos os treinos e me preparar para as transmissões. E fiquei espantado com o tal do Kubica, que desde o início não tomou conhecimento da molecada que conhecia Interlagos como a palma da mão.

O rapaz desengonçado e narigudo, que falava um bom italiano e era terrível no inglês, fez a pole com enorme facilidade e ganhou a corrida de 17 voltas com exatos 12s244 de vantagem para o segundo colocado. Como ele não marcava pontos, era convidado, o troféu de vencedor foi entregue a Marcos Gomes, que terminou em segundo, e o título ficou com Jimenez — porque Khodair abandonou e Di Grassi chegou em décimo.

Lembro que os brasileiros olharam meio torto para Kubica, insinuando que seu carro estava fora do regulamento. Não estava. O sujeito era bom, mesmo. Quase seis anos depois, venceu pela primeira vez na F-1, em Montreal. E ao vê-lo no pódio, tão narigudo e desengonçado quanto seis anos atrás, me lembrei daquele domingo de sol em Interlagos, dos garotos que ficaram pelo meio do caminho, daqueles que vingaram e daqueles que ainda brigam para brilhar.

É muito curioso voltar esses seis anos no tempo, a 2002, para tentar compreender como funciona o mundo do automobilismo. Era uma época em que a F-3000 já dava sinais de decadência e as principais equipes da F-1 — e as fábricas envolvidas, claro — começavam a garimpar talentos em categorias como a F-Renault e a F-3. A turma da F-3000 estava envelhecida e não encontrava portas abertas na F-1. O campeão daquele ano, por exemplo, foi Sébastien Bourdais. Que, sem opções, acabaria fazendo carreira nos EUA, para voltar à Europa só agora, em 2008.

Os dois principais campeonatos de F-3, na Inglaterra e na Alemanha, chegaram a produzir bons nomes. Dos que disputaram o Inglês em 2002, por exemplo, saiu Heikki Kovalainen, hoje na McLaren. Do Alemão emergiram Gary Paffett (piloto de testes da McLaren), Timo Glock (titular da Toyota), Vitantonio Liuzzi (terceiro piloto da Force India, depois de passar pela Toro Rosso) e Robert Doornbos (que correria pela Minardi, Jordan e, como reserva, Red Bull).

Da turma de Kubica na F-Renault Européia também “subiram” vários pilotos, como Neel Jani (foi piloto de testes da Sauber), Nicolas Lapierre, José Maria Lopez e Alexandre Prémat (chegaram à GPs), Christian Klien (correu pela Jaguar e Red Bull, foi piloto de testes da Honda e hoje está na BMW Sauber como terceiro piloto) e um inglesinho chamado Lewis Hamilton, que disputou apenas as últimas quatro etapas, chegando ao pódio em três delas — com uma vitória.

Mesmo destino não tiveram os brasileiros da F-Renault de 2002. Jimenez, o campeão, não se firmou na Europa e seguiu uma carreira errática cuja última passagem digna de nota foi na A1GP. Khodair, que brigou pelo título, hoje está na fajuta Stock Car brasileira. Di Grassi, esse sim, continua com um pé na F-1, vinculado há bastante tempo à Renault. Da mesma forma, Nelsinho Piquet, que naquele ano disputou apenas uma corrida, em Brasília, e hoje é titular do time francês. Com o futuro em cheque, porém.

Futuro que Kubica, o narigudo daquele domingo de sol em Interlagos, não deve temer. Porque é bom pacas.